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Writer's pictureMaria ISAAC

Quem é quem? Os pseudónimos.

Os nomes são especiais, eles têm significados, uma história e poderes, especialmente sobre quem os utiliza.

Em tempos, os pseudónimos permitiram às mulheres o acesso à criação de uma arte que estava reservada aos homens, deram várias vidas a quem não conseguia ser apenas um, e novas identidades a quem precisava delas.

Pseudónimo, pen name, a nom de plume são denominações do nome que alguns escritores utilizam para assinar os seus livros em vez do seu nome legal.

Os motivos pelos quais escritores, e outros artistas, utilizam pseudónimos são muito variados e é sobre o mundo deles, dos seus nomes e identidades, que falo neste episódio.

Bem-vindo!


Alguma vez pensaste sobre o teu nome? Talvez até tenhas questionado os teus pais sobre o porque da escolha ou pesquisado no Google, e o que encontraste?

Mesmo que não tenha sido o teu próprio nome o foco da tua curiosidade, poderá ter sido o de um primeiro amor, talvez te tenhas surpreendido como eu, com a profundidade que algumas palavras adquirem ao longo do tempo quando descobrimos o significado e as histórias por detrás delas.

Não é por acaso que a escolha de um nome para um bebé é tão importante e até, se és um aficcionado da escrita como eu, os nomes das nossas queridas personagens.

Então é fácil extrapolar a importância de escolhermos o nosso próprio nome, sob o qual vamos criar e expressar a arte da escrita, um pseudónimo.

Pseudónimo, pen name, a nom de plume, estas são as denominação de um nome que os escritores escolhem e utilizam para assinar os seus livros em vez do seu nome legal.

As razões para o fazerem são quase tão infinitas quanto as variedades de escolha dos próprios nomes e vão desde o desejo de esconder a sua verdadeira identidade, passando por estratégias de vendas, ou escrever outros géneros literários e até diferentes personalidades.

Sim porque um pseudónimo é a simples troca de nomes, que tem como parente mais sofisticado o heterónimo o heterónimo vai mais além do nome, ele é uma aventura muito mais criativa neste mundo da troca de identidades.

Qualquer leitor que esteja familiarizado com literatura portuguesa sabe que Fernando Pessoa é o mestre dos heterónimos, e para quem estudou em Portugal com certeza sofreu para conseguir dominar as dezenas de heterónimos (cerca de setenta) entre os quais se destacam Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Bernardo Soares (este último há quem lhe chame semi-heterónimo, porque tinha uma personalidade bastante parecido com o próprio Fernando Pessoa e não sei devem achar que seria batota)

Para todos eles, F. Pessoa inventou, não só nomes para assinar os seus textos e poemas, como também biografias é toda uma vida com detalhes como data de nascimento e morte, profissão, personalidade, fisionomia e até carta astral (porque Pessoa era um apreciador de astrologia).

Seja um pseudónimo ou heterónimo as razões pelas quais alguém recorre a eles são todas muito pessoais pois o que há de mais íntimo do que o nosso próprio nome?

E quando não só o nome, mas também o género muda?

“Durante grande parte da história, 'anónimo' era uma mulher.”

Esta é uma afirmação bem conhecida e durante muito tempo, assim foi; diversos autores “homens” no mercado, ou anónimos eram na realidade mulheres.

Na literatura universal, talvez as irmãs Bronte sejam o exemplo mais conhecido, Anne, Charlotte e Emily que escolheram os seus novos nomes que começava com a inicial dos verdadeiros nomes. Assim, Charlotte passou a ser Currer, Emily adotou o nome de Ellis e Anne Acton. Todas escolheram o sobrenome Bell.

Só após a morte da Anne e da Emily é que as suas verdadeiras identidades foram reveladas.

Charlotte Brontë disse: “não nos afirmamos como mulheres porque sem suspeitarmos na altura que a nossa forma de escrever e pensar não era o que se chama ‘feminino’ tínhamos uma vaga impressão que as autoras estavam sujeitas a ser vistas com preconceito.”

Do trabalho das três, o romance de Emily “O Monte dos Vendavais” é talvez o que atingiu maior notoriedade.

Em português, temos a Irene Lisboa que escreveu sob o nome João Falco entre outros, e que embora não tenha alcançado notoriedade entre o público sempre foi elogiada pelos seus pares.

Como exemplos contemporâneo, posso mencionar os mais conhecidos com a J.K. Rowling que adoptou o pseudonimo Robert Galbraith e a Nora Roberts J. D. Robb que escolheram nomes masculinos, para entrar num género literário, Crime e Mistério.

Na lista de razões para escolher um pseudónimo, Stephen King, o mestre do terror adicionou uma pouco convencional para qualquer autor ou autora. Era então um jovem e talentoso escritor cheio de histórias… tantas que, como editoras impunham um limite de publicação de um livro por autor por ano e se recusavam a publicar mais do isso, Stephen King resolveu o problema ao escrever sob o pseudónimo de Richard Bachman.

E há até quem se esconda atrás de um pseudónimo por vergonha.

Pascal Mercier autor do livro Comboio noturo para Lisboa, é o pseudónimo literário usado pelo filósofo Peter Bieri. (espero estar a pronunciar bem)

Nas palavras do próprio, diz:

"Enquanto professor receei colocar a minha reputação académica em causa quando comecei a escrever ficção. Precisava de me esconder atrás de um pseudónimo para ter a coragem de me libertar na escrita."

Os exemplos por cá, também são muitos Fernando Pessoa é apenas a árvore maior numa floresta bem portuguesa cheia de pseudónimos.

Almeida Garrett, era na verdade João Baptista da Silva Leitão.

Bocage, o nosso poeta mais libertino, usou o nome Elmano Sadino, que, dizem, não ter durado muito até ser descoberto quem era porque escreveu críticas ferozes contra os pares.

Júlio Dinis, autor d’As Pupilas do Senhor Reitor, era o médico Joaquim Guilherme Gomes Coelho.

Teixeira de Pascoaes era Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos;

José Régio era José Maria dos Reis Pereira;

António Gedeão, um dos poetas mais queridos do meu coração, autor do belíssimo poema Pedra filosofal que nos escreveu:

“Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer” O seu verdadeiro nome era Rómulo Vasco da Gama de Carvalho.

E dois vencedores do Prémio Camões:

Miguel Torga, chamado Adolfo Correia da Rocha; e o grande Eugénio de Andrade que era José Fontinhas.

Para terminar com um exemplo mais contemporâneo, o nosso Valter Hugo Mãe, que na verdade não é Mãe, é Lemos.

Quanto à minha experiência pessoal neste universo de pseudónimos, como já referi em várias entrevistas, a necessidade de um novo nome surgiu com a mudança do meu estilo de escrita.

Os primeiros livros que publiquei eram de Fantasia Urbana e quando estava a escrever o Onde Cantam os Grilos senti que a minha voz literária mudara e que me estava a tornar numa outra escritora e por isso… não poderia continuar a usar o mesmo nome.

A escolha do meu pseudónimo foi fácil… não imagino como terá sido para todos estes autores que referi, e para os muitos mais que ficam em falta… mas para mim foi apenas uma mudança para nomes que já faziam parte da identidade da minha família. Maria Issac poderia ter sido o meu nome se alguém se tivesse lembrado disso.

Confesso que, tal como as mulheres autoras que mencionei no início do episódio, também ponderei um nome masculino, que seria possível usá-lo pelo anonimato que assumi durante os anos iniciais até recentemente com a publicação do O Que Dizer das Flores.

Era muito simples a minha escolha, mas os caminhos eram muito diferentes.

Estou muito feliz com a minha decisão, porque me permitiu ser autêntica com a minha identidade, estar aqui, a falar contigo e dar o meu pequeno contributo para continuarmos a trabalhar para uma mudança nos paradigmas.

Na definição do próprio Fernando Pessoa, publicada na revista Presença; ele diz:

"A obra pseudônima é do autor em sua pessoa, salvo no nome que assina; a heterônima é do autor fora da sua pessoa; é duma individualidade completa fabricada por ele, como seriam os dizeres de qualquer personagem de qualquer drama seu".

(Fernando Pessoa, revista Presença, nº 17. Coimbra: Dez. 1928).

O nome, a identidade, é algo poderoso. Permitem aos outros fazerem julgamentos e avaliarem-nos com base em preconceitos imediatos. Embora possa parecer injusto, não há outra forma, porque a nossa mente, para o melhor e para o pior, não funciona de outra forma.

Nomes e identidades são as primeiras impressões tal como a forma como nos vestimos, caminhamos, falamos, tudo, num primeiro olhar.

Quanto é decidido por nós e quanto temos o poder de decidir por nós próprios?

Tal como um livro, a sua capa e a história que guarda, assim somos nós, homens e mulheres, com os nossos nomes e as nossas histórias.

Um pseudónimo permite-nos escolher um nome, um heterónimo, toda uma identidade.

Não importam as razões ou circunstâncias para uma mudança, basta que seja desejada que nos faça sentir mais verdadeiros e autênticos, seja em privado, na escrita de um diário, nos diálogos secretos do dia a dia na segurança dos pensamentos; ou seja em público, sob holofotes e o olhar de desconhecidos.

Só tu sabes quem és, qual é o teu nome, ou quais são os teus nomes e assim tal como os grandes autores deves ter coragem e usá-los.

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